terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

ser e não ser

Naquela manhã de terça-feira esperava aprender um pouco sobre física mas insistiu em desviar os olhos do professor Estanislau para a carteira ao lado. O professor Estanislau é tudo que se pode esperar de um professor de física com este nome ao contrário da garota entediada ao lado, o que explica seu ímpeto em observá-la. O nome dela é Cecília e tudo o que se pode afirmar sobre ela é: Cecília é uma moça bonita.

Atravessando a movimentada rua a passos ligeiros na saída da escola Cecília de repente perde a identidade. A identidade como todos sabem é uma coisa muito desagradável de se perder, não é como uma nota de 50 cruzados que pode ser devolvida pela pessoa que caminhava logo atrás de você e a viu cair de seu bolso antes mesmo de se questionar porque uma colegial carregaria uma nota de 50 cruzados no bolso da saia.

A idéia de personalidade nunca afligiu Cecília até aquele momento. Foi como cair de um lugar muito alto direto em uma piscina escura de águas frias quando percebeu que poderia não ser quem pensa que é.

A noção de realidade atormentou a jovem. Toda a sua noção de mundo até hoje foram registradas por seus sentidos o que significa que eles são sua única conexão com o mundo, logo as outras pessoas também devem se relacionar com o mundo da mesma forma o que torna toda a sua existência resumida a impressões que ela deixa na percepção de outras pessoas.

Nada do que Cecília pensou, sentiu ou fez nunca de fato aconteceu se não tiver sido relatado ou presenciado. De repente sentiu arrependimento de todas as vezes que ficou sozinha trancada em seu quarto com seus pensamentos, algo que até então ela sempre gostara de fazer. Percebeu que ao se isolar, deixava de existir aos poucos.

E é neste exato momento em que sente seu corpo explodir, a dor e a sensação de vazio completam o trauma do choque: Cecília não era o resultado de seus pensamentos, nunca foi. Ela era o resultado de seus atos. Percebeu que não é quem você é que te define, é o que você faz. E assim, tão rápido como uma idéia, se despediu do mundo. Ele jamais seria o mesmo pra ela.

E é neste exato momento em que sente seu corpo explodir, a dor e a sensação de vazio completam o trauma do choque: Cecília havia sido atropelada. A idéia de parar subitamente no meio da rua pode não ter sido uma boa idéia afinal de contas. Ah suas idéias, sempre a pregando peças, pensou. E assim, tão rápido como uma idéia, se despediu do mundo. Ele jamais seria o mesmo sem ela.

Cecília, a moça bonita boa em biologia, campeã de vôlei e três vezes consecutivas eleita a mais bem vestida pelo jornal do colégio deixará pais saudosos e amigos que se espelharão em suas conquistas.

Cecília, a moça gorda com distúrbios alimentares, atormentada pelo fantasma do seu avô que a violentou aos dez e invisível aos olhos do amado, esta nunca existiu.

3 comentários:

Anônimo disse...

Oi Murilo!

Seus textos são muito bons (melhores que os meus, a bem da verdade!)Que bom que você se sente inspirado a voltar a escrever. É sempre bom não?

See ya

Rodrigo Barreiro disse...

Agora que dei conta, seus textos são altamente inspirados em Clarice Lispector né? estão muito bons viu.

Murillo Melo disse...

Chega a ser quase uma mistura de Clarice Lispector com Douglas Adams e um pouquinho de Allan Poe.
Mas sei lá né... estamos acostumados a escrever coisas similares ao que lemos.